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sexta-feira, 6 de junho de 2014

EXCERTO LITERÁRIO




[...]
Ora somos reis, ora nos sentimos réus.
A tribo nos acolhe, nos conforta, quebra
um pouco a solidão, mas também pode nos
descaracterizar, nos engolir. 
A gente nunca sabe direito o que fazer, 
então canta,
então chora, 
então ama,
então se desespera,
então ri
com o mesmo encantador jeito
infantil de outro dia.
[...]

Lya Luft,
in O tempo é um rio que corre.





segunda-feira, 19 de maio de 2014

A VIDA É UMA CASA QUE CONSTRUÍMOS...




[...]
A vida é uma casa que construímos com as
próprias mãos, criando calos, esfolando
joelhos, respirando poeira.
Levantamos alicerces, paredes, aberturas
e telhado. Podem ser janelas amplas para
enxergar o mundo, ou estreitas para nos
isolarmos dele. Pode haver jardins, pátio,
por pequenos que sejam, com flores, com
balanços, para a alegria; ou só com lajes
frias, para melancolia.
Vendavais e terremotos abalam qualquer
estrutura, mas ainda estaremos nela, e
ainda poderemos consertar o que se
desarrumou.
[...]

Lya Luft,
in O tempo é um rio que corre

segunda-feira, 31 de março de 2014

A VIDA É UMA TAPEÇARIA...



" A vida é uma tapeçaria que elaboramos enquanto somos
urdidos dentro dela.
Aqui e ali podemos escolher alguns fios, um tom, a
espessura certa, ou até colaborar no desenho.
Linhas de bordado podem ser cordas que amarram ou
rédeas que deixam manejar: nem sempre compreendemos
a hora certa ou o jeito de as segurarmos. Nem todos
somos bons condutores; ou não nos explicaram
direito qual o desenho a seguir, nem qual a dose de
liberdade que podíamos com todos os riscos assumir".

Lya Luft,
in Rio do Meio



EXCERTO


[...]
No instrumento de nossa orquestração
somos - junto com fatalidades,genética
e acaso - os afinadores e os artistas.
Somos, antes disso, construtores de
nosso instrumento. O que torna a lida
mais difícil, porém muito mais
instigante.
{...]

Lya Luft,
in Perdas & Ganhos









TANTO




Para Lygia F. Telles

Nada entendo de signos: 
se digo flor é flor, se digo àgua 
é água. ( Mas pode ser disfarce de um segredo.) 
Se não podem sentir, não torçam 
a arvore-de-coral do meu silêncio: 
deixem que eu represente meu papel. 

Não me queiram prender como a um inseto 
no alfinete da interpretação: 
se não me podem amar, me esqueçam. 
Sou uma mulher sozinha num palco, 
e já me pesa demais todo esse ofício. 
Basta que a torturada vida das palavras 
deite seu fogo ou mel na folha quieta, 
num texto qualquer com o meu nome embaixo.

LYA LUFT
In Mulher no Palco, 1984



quinta-feira, 21 de novembro de 2013

Estou sempre nos limiares


Estou sempre nos limiares:
sou sempre esta pausa antes
do início de uma canção,
sou um momento de espera,
quase um fim de solidão.

Sou margem de caminho para a morte,
gesto que pressente atrás do véu:
promessa de chuvas sob o céu,
e vôo que antes de partir
repousa...

- Lya Luft,
em "Mulher no palco", 1984.


SE ME QUISEREM AMAR



Se me quiserem amar, terá de ser agora:
depois, estarei cansada.
Minha vida
foi feita de parceria com a morte:
pertenço um pouco a cada uma,
para mim sobrou quase nada.

Ponho a máscara do dia,
um rosto cômodo e fixo:
assim garanto a minha sobrevida.
Se me quiserem amar, terá de ser hoje:
amanhã, estarei mudada.

LYA LUFT
In Mulher no Palco, 1984



domingo, 6 de outubro de 2013

VIAGEM



Não é preciso morar na esquina 
nem ser jovem ou belo: 
o amor melhor é sempre dentro 
e perto. 
Chega inesperado, 
vem forte vem doce, acalma 
e desatina. 

Se está na minha rua ou vem de fora, 
ele ignora o tempo e a idade: 
o amor é sempre 
agora. 

É vento sutil e mar sem beira: 
o amor é destino de quem está aberto, 
e dói sem remissão quando negado. 

O melhor amor sacia a fome inteira: 
mas tem de ser aceito, 
tem de ser ousado, tem de ser 
navegado.

LYA LUFT
In Para não dizer adeus, 2005


DÁDIVA




Derrama sobre mim tua esperança de homem, 
tanto tempo contida: 
planta em meu solo a árvore da renovação, 
mais alta do que noite escura. 

Larga a solidão, apaga a desesperança, 
inventa um novo reino 
onde as águas não são naufrágio, 
nem o amor desengano. 

Vem para esta enseada, onde há ventania 
e risco, mas podes ancorar teu coração 
depois da longa procura, 
para que ele pouse e pulse e brilhe 

como a estrela-do-mar em seu fundo 
de oceano.

 LYA LUFT
In Para Não Dizer Adeus, 2005



BEM QUE EU QUERIA DORMIR



Bem que eu queria dormir. 
mas a culpa chamou-me a noite inteira. 
Eu preferia fugir, 
mas a morte arranhava a minha porta. 

Devia esquecer o amor, 
mas esse não desiste de mim: 
me agarra, me devora e me vomita 
no alto da escada. 
enganosa luz. 
Bela dama: basta uma palavra tua. 



 LYA LUFT 
Im Mulher no palco, 1984